Um dia, ganhei um desafio

 Um dia, ganhei um desafio. Foi a primeira vez, apesar de a vida toda eu dizer que sou uma pessoa de sorte.

Uma vez achei um vale-brinde dentro do pacote de salgadinho. No começo fiquei frustrada, porque a “figurinha” em questão era diferente daquelas que eu colecionava na época. Eu ainda não sabia ler, e minha irmã é que me disse que eu tinha ganhado um kit de mágica. Chegou pelo Correio um tempo depois, foi muito legal, e acho que ali eu comecei a acreditar que estava destinada a ter sorte na vida.

Esse evento foi importante para mim, como escritora, tanto quanto ter uma irmã um ano mais velha, que sempre foi nerd, e me estimulava na infância a conhecer as palavras, quando me xingava por nomes que eu desconhecia, e que meu pai ia ver comigo no dicionário o que significava. Essa relação paternal também foi importante, porque foi com o meu pai que escrevi a minha primeira história, “O mistério da fazenda”, que falava de neblina, quando eu tinha oito anos.

Mesmo assim, minha família nunca foi de se interessar pelas minhas histórias. Coisas de família, acho (não é uma crítica; apenas uma constatação).

Meu estilo preferido sempre foi a crônica, mas amo escrever romance, e sempre fui escritora de cartas. Na adolescência, minhas amigas mais próximas recebiam cartas de dez, 20 páginas. Escritas à mão. Era bom porque eu caminhava até o Correio dia sim, dia não. Hoje, “milhares” de anos depois, percebo que isso tinha mais relação com o meu distúrbio alimentar do que com a escrita (mas isso é papo para outra hora).

Escrevi meu primeiro livro aos 12. O segundo aos 14. O terceiro eu tinha 16 anos. Me descobri lésbica graças a uma personagem do meu livro, que também se descobriu lésbica, na reedição. Meu TCC foi um livro-reportagem (sobre homossexualidade feminina), e ganhei o prêmio de melhor projeto experimental da faculdade. Nos primórdios da internet eu era “blogueirinha”, mas sem blog, porque eles não existiam ainda. Compartilhava meus textos por e-mail. Era uma lista longa, dois ou três respondiam (quando muito).

Se minha vida fosse um livro, haveria longas lacunas longe desse som de teclas sendo escritas, por motivos variados, que às vezes até acho que foram para que eu pudesse me dedicar àqueles momentos, e recolher, ali, a matéria-prima para criações futuras. Não me arrependo de ter ficado longe das histórias só porque vivi histórias, que inclusive viraram livro em 2020, o “Sorte e Sol”. Foi ele que abriu as portas para todas as outras, inclusive os contos, que eu nunca tinha escrito.  

É muito fácil organizar os eventos recentes em uma linha do tempo porque eu sempre fiz isso. E se “Sorte e Sol” me despertou de uma hibernação literária longuíssima, e até sofrida, o Lettera foi responsável por me manter na ativa. Pela primeira vez, ganhei leitoras (assim, no plural). E isso muda tanto, tudo! Passei a ter feedback do que escrevia. Com comentários, mas especialmente com acessos. Um ineditismo tão maravilhoso que eu, a mina das palavras, tenho dificuldade para expressar.

Eu tinha uma história na cabeça que, à moda Gabriel García Márquez (meu escritor de literatura fantástica preferido), existia só na minha cabeça. Comecei a “escrever” essa história no meu primeiro estágio, numa rádio, quando passei a usar sapato de salto alto com certa regularidade (porque me olhavam estranho nas coletivas de imprensa, quando eu chegava de tênis e bandana no cabelo). A história era sobre um assassino que tinha o instinto despertado pelo som do salto do sapato de algumas mulheres. Eventualmente, a história voltava, eu acrescentava algum novo detalhe, e a deixava de lado mais uma vez.

Quem me lembrou dela, por coincidência ou não, foi minha amiga, que na época do estágio era minha editora (minha primeira editora, e a mais querida!). Eu mesma já tinha esquecido, apesar de já estar escrevendo no Lettera, inclusive contos.

Mais ou menos nessa época que voltei a pensar na história do assassino, minha amiga pegou Covid e o Lettera lançou o Desafio “Uma Imagem Vale por Mil Palavras”. Foram combinações propícias porque eu sou muito pessimista e bastante terminativa, e quis escrever a história antes que minha amiga morresse (ela está viva, por sorte!).

Foi um dia, finalmente, digitando uma história que cozinhava dentro de mim há quase duas décadas (sim!), dividida em quatro partes, cada uma com mil palavras (exatas!), relacionadas a quatro imagens aleatórias, publicadas em um intervalo de quatro semanas.

E esta crônica é para dizer que ontem chegou o meu prêmio do Desafio. Eu já tinha avisado o Porteiro Boca Mole que chegaria uma encomenda para mim, mas não no meu nome (só não entrei em detalhes, explicando quem era caribu, e por que ela receberia uma encomenda no meu endereço). Aí estava aqui ontem, linda, jogando videogame no talo (porque, sim!, acabou a novela do suporte da TV, agora é só o tanque que ainda me atormenta), fumando um negocinho diferenciado, 13 incensos diferentes queimando, quando toca a campainha. Era a vizinha do 71, que recebeu a encomenda de caribu e trouxe aqui (com os dois netos e uma cachorrinha, que latiu tanto quanto a minha nos segundos que eles ficaram parados ali no corredor).

Foi a primeira vez que recebi algo como pseudônimo, e a primeira vez que ganhei um desafio literário por ter escrito uma história com mais acessos. Ganhei como prêmio um teclado com Bluetooth, muito bonitinho, parece um trofeuzinho. Pensei em escrever algo com ele, mas as pilhas necessárias eu só tenho aquelas lacradas dentro do controle da TV (bem presas, com fita isolante), ou as já esquecidas dentro do igualmente esquecido vibrador. Pilhas tristes, em fim de vida útil.

Amanhã vou comprar um sifão e pilhas. Ansiosa para escrever boas novas com meu novo teclado!

 

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