Respira

 

Ontem, perto da hora de dormir, já meio trôpega de sono, dei uma olhada rápida numa prateleira onde guardo livros, e bati os olhos em um que há muito não reparava, que li um tempo atrás e que deveria até ler de novo, chamado “O poder do agora”, de um autor que eu gosto muito, que se chama Eckhart Tolle (o cara está vivo, tem várias palestras legais dele no YouTube, recomendo).

Sempre tive mania de encaixar minha vida numa linha do tempo meticulosamente cronológica, e talvez por causa disso, já há um ano e meio, quase, fico me perguntando como foram os dias que antecederam essa mudança tão drástica em nossas vidas, impostas pelo distanciamento social, mas especialmente pelo coronavírus, que infelizmente já levou tantas de nós.

Não sei se posso dizer que fui avisada de que tudo isso aconteceria, ou até mesmo preparada para enfrentar esse caos em que estamos mergulhadas, mas talvez tenha. Em algum ponto, subjetivamente falando, acho que todas fomos. Não acredito que seja por acaso que estejamos aqui, justamente agora. E nem acho que fomos simplesmente lançadas, à nossa própria sorte.

No final de 2019 comecei a ter “insônia”, mas não sei se posso chamar assim. Mais ou menos por volta de outubro, novembro, passei a perder o sono muito, muito cedo. Acordava às vezes super desperta às quatro e meia da manhã e não conseguia mais dormir. Aí levantava e saía para andar (eu e a cã). Moro perto de uma ciclovia, é plano e agradável para caminhadas. Teve dias que não era nem cinco da manhã direito e a gente já tinha caminhado cinco, às vezes sete quilômetros. E só não andava mais porque a Nani cansava, aí só de trazê-la em casa me dava preguiça de sair de novo.

Meses depois me enfurnei dentro de casa e cá estou, até então. Por sorte aquela disposição toda foi embora, senão eu ia ficar frita (igual à vizinha que faz caminhada na varanda). Aí penso “nossa, quem diria que isso tudo ia acontecer?”. Hum... será que eu diria?

Quando li “O poder do agora” a vida era outra, porque eu era outra também (e só assim me encaixava naquela rotina. Que era uma delícia, mas que não me cabe mais). Na ocasião, um dos meus discursos preferidos era justamente com relação ao presente que é o agora – que é só o que nós temos, afinal de contas. Entre meus exemplos, eu dizia que a depressão é o excesso de ontem, e a ansiedade, o excesso de amanhã. É só hoje que podemos fazer as coisas.

Só que, tá. No discurso é sempre bonito, lindo e maravilhoso, e eu sempre fui vítima das minhas palavras (falo e a vida testa. Ela diz: “ah, é, bonitinha?, prova!”).

Há meses me questiono se deveria tomar algum remédio, e minha batalha é porque, no fundo, eu acho que está todo mundo fodido da cabeça (quem diz que não é quem está pior), então não me convenço de que o remédio seria a solução. Aí no meio do duelo me sinto mal porque procrastino cada dia mais, e porque deveria estar escrevendo em vez de só ficar olhando para as árvores lá fora (que hoje estão sob neblina e chuva. Um dia lindo, 15 graus).

Ontem fui dormir e meus últimos pensamentos foram sobre o agora, o presente, essa centelha de tempo em que podemos simplesmente enviar comandos para não surtar, e fazermos exatamente o que nos faz bem. Não importa o que seja.

Parece demagógico, né?

Acordei hoje às 7h em ponto, alguns segundos antes de começar a chover, e vi a mensagem que uma amiga tinha acabado de enviar. Ela se dizia preocupada, com o emocional abalado, porque está com covid. Me compadeci, e fiquei pensando como estaria, se fosse comigo. Aí me senti boba por ficar me condenando de não fazer exatamente as coisas que preciso (por exemplo, trabalhar).

Às vezes fico pensando que aquela inspiração toda que eu sentia no mundo pré-apocalíptico se faz presente ainda agora, e os sinais ainda chegam, assim como as mensagens, captadas só quando estou presente no agora, focada, centrada, atenta. E a mensagem do dia diz: está tudo bem. Respira.


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