Rave diferenciada

Hoje eu vou te levar para um rolê psicodélico. Ele é cheio de luzes loucas e música alta, convidados malucos e movimentos, hum, duvidosos, mas que são dança, e que as pessoas em geral chamam de “rave”. Mas essa é uma rave diferente porque essa é a “rave das palavras aportuguesadas que não permitem estrangeirismos”, então, para começo de conversa, se chama “festa”. “Festa não literal, literária, onde são aceitas até as palavras de baixo calão” (na verdade, elas são as convidadas de honra e vêm de branco, lindíssimas, já na comissão de frente, travestidas de puritanas, usam até auréolas – ou será apenas a sua luz, que bate aqui e reflete? Jamais saberemos).

Essa é uma festa que se assemelha a muitas outras, exceto por peculiares gritantes (que não berram, exatamente), mas que cabem apenas e somente se estiverem nesta história: nesta festa surreal, à primeira vista, absurda, só entram palavras. E lá dentro, parceira, ninguém é de ninguém, então se vê muitos ditongos sexys se esfregando em crases transtornadas (talvez sob efeito de algo), e fonemas descabelados se chacoalhando a um som que chega de maneira diferente para os apóstrofes, que ficam sempre no cantinho, só observando, dificilmente interagem (são bastante reservados, cheios de pudores).

Isso tudo num salão longitudinal – que não faz o menor sentido, mas nada nessa festa faz, então só se joga e vem, vem comigo, deixa eu te conduzir por este baile onde aqui e ali se vê letras lindas, encavaladas umas nas outras, numa suruba ortográfica maravilhosa, endiabrada, com enes trepando em erres em palavras escandalosas como “enroscadas” (ai, que delícia!), e as “idéias” vêm com acento porque, foda-se, é liberado! Não tem nenhuma regra nessa festa de língua viva; a acentuação é opcional, as proparoxítonas também estão tocando o foda-se!

E não há separação, não há conjugação, não há preconceito linguístico, e é todo mundo se comendo e todo mundo se lambendo, numa gemeção danada, com aqueles sons molhados, estalados (uma balbúrdia para os ouvidos mais sensíveis, que atiça, que cobiça, que instiga). E o pai Latim está lá longe, em sua casa, dorme com a tranquilidade típica dos pais que nem desconfiam o que sua prole apronta quando a luz apaga. Quando o som começa. Quando se chega ao ápice.

E as palavras rodopiam, viram os olhos, e se elevam à potência do som. É o auge!

É quando 

            as palavras    

                               vão descendo                                                                                                  

                                                    até o chão

E

        todas as letras

                                se divertem

                 de montão

 

E é sempre

 nessas horas

                 que vem forte

                                        o tesão.

E todas

        se esfregam, 

                    passam a língua,

                                    passam a mão.

 

 

E na manhã seguinte não se sabe o que ocorreu. É tipo cu de bêbado: ninguém sabe quem comeu. E pelas surdinas, nas esquinas, já se ouvem os primeiros burburinhos. A próxima festa já tem data marcada, e vai ser à fantasia. Eu vou vestida de trema. 


Clique aqui para acessar o menu completo com todas as histórias.

Ajude esta escritora independenteclique aqui e faça uma doação
Você não precisa se identificar, se não quiser! 💙


Postagens mais visitadas