O que será que será
Como será o dia em
que tudo vai acabar, a quarentena, o isolamento, a pandemia? Será que os carros
vão buzinar como fazem em finais de campeonato de futebol, como se os times
fossem guardas de trânsito? Será que as pessoas vão bater panelas nas janelas
dos prédios, entusiasmadas, como fazem nos protestos políticos, em
pronunciamentos de figuras sebosas? Será que os cachorros vão latir, naquele
escarcéu típico que sempre fazem quando passa alguém na rua (esteja vivo ou
morto)? Vamos nos vestir inteiras de branco, escolher com cuidado a cor da
calcinha e comemorar, ainda que tardiamente, a Páscoa desse ano, antecipando o
champanhe da próxima virada? Vai ter aglomeração nas praças, depois de tantas
precauções contra aglomerações? Os franceses vão queimar os carros, como queimam
por qualquer motivo? Como será que vai ser o dia em que voltarmos à normalidade
das coisas? E como será a nova “normalidade”?
A gente ainda
vai se abraçar e se beijar como antes, ainda que somente por etiqueta, por ser
socialmente esperado que se faça isso, se aja assim? De tantas dúvidas essa certamente
é a minha principal porque eu com certeza não faço mais isso, nem que só por
educação, meu cu. Não vou nem chegar perto de quem não quero, ou cruzar a minha
energia com um aperto de mãos que seja (em especial daqueles que apertam mole).
Se der, não vou nem olhar, porque o isolamento foi bom para a gente testar como
é confortável se isolar de certas gentes. E só de pensar nisso o novo normal já
me anima tanto que eu já me sinto feliz com essa mudança trazida após seis
meses enfurnada dentro de casa, de castigo, às vezes acompanhando uma sensação
de normalidade que existe só nas cabeças de vento que fizeram da curva de
contágio um platô, desde o início da crise de coronavírus.
“Tudo vai valer
a pena!”, uma voz diz, mais para estimular e não nos deixar desistir do que
qualquer outra coisa. Já pensou?, nadar até aqui e se afogar no mar da vida?
Podia chover
nesse dia, em pleno meio-dia, junto com um sol de rachar, só para a gente ter
arco-íris espalhados em vários pontos do céu, colorindo de colorido um dia já
cheio de cor. Ou então ter um eclipse total, com sol e lua alinhadinhos lá no
alto, daqueles que fica noite enquanto é tarde e a gente olha para cima se
valendo de exames velhos de raio x. Podia, ainda, de qualquer jeito, ser um
lindo dia de primavera – estação que, por sinal, se instaurou hoje. Seria um
dia florido, então! Um dia perfeito, com certeza, mesmo sem flor!
Talvez, é claro,
não seja assim, um dia em que a gente acorda pensando “é hoje” ou então “acabou”.
Talvez vá ser só uma sequência de dias e quando a gente perceber vai estar na
fila do posto de saúde, bem vestida, prestigiando o SUS e a vacina. Raros são os dias em que
ficamos felizes com uma picada e eu estou ansiosíssima por essa (perdoa, Nossa
Senhora do Caminhão de Santa Xena!). Espero não perder minha carteirinha de
sapatão por falar isso!
Quando a
bandinha da epidemia parar de tocar eu vou chamar a morena para dançar. Eu e
ela num xote só nosso, sem música mesmo (ou com todas as nossas músicas,
tocando ao mesmo tempo). Quero fazer tudo o que não posso agora, por exemplo,
entrelaçar meus dedos nos dela (e sem pensar em álcool em gel depois). Ou só
não fazer nada, só que junto – sem medo, sem risco, sem contágio.
No dia que tudo
isso passar eu espero que a gente saiba valorizar tudo o que perdeu e também tudo
o que adquiriu, porque tudo pode mudar de repente, de novo. Aproveite bem! E
comemore cada liberdade!
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