Eduarda e Mônica (Fanfic)

No mundo, respiram neste momento pouco mais de sete bilhões de habitantes. São infinitas variações de humor, de personalidade, sonhos, desejos... Eventualmente, algumas dessas pessoas são arrebatadas pelas flechas do amor, lançadas por cupidos gorduchos que não vemos, e que podem facilmente se assemelhar a fios invisíveis que ligam umas pessoas às outras. Quando isso ocorre, quando a conexão se estabelece (e a pessoa se permite vivenciar isso! Acredite: muitos fecham as portas para o amor), mesmo que as pessoas envolvidas tenham gostos, rotinas e até mesmo idades diferentes, o elo se estabelece. E uma vez formado, quem se arrisca a dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem diz que não há?

Na manhã daquele fatídico dia, Eduarda enrolou na cama depois de acordar. Aquele era um hábito antigo, e ela não se importou de ficar deitada por mais alguns minutos, mesmo depois de ver que já passava das 10h. Era sábado, afinal. Mônica, ao contrário, ainda não tinha nem dormido e no outro canto da cidade consolava uma amiga, num dos poucos bares abertos àquela hora. Pediu conhaque, estava friozinho.

Boa amiga que era, sempre solícita com as amigas, especialmente nos momentos “drama queen”, Monica naquele momento convocava no grupo do zap uma força-tarefa para aquela noite: iriam juntas a um sarau. Um rolê super alternativo, propício para espairecer a cabeça. Seria bom até para ela!

Se as comunicações digitais deixassem rastros visíveis no ar, veríamos que o torpedo de Mônica cruzou com a mensagem da mina do cursinho de Eduarda, que naquele momento ouvia a notificação do seu celular. A menina dizia: “tem uma festa legal e a gente quer se divertir”. Um sarau de sapatão com bebida. Nem uma hétero recusaria!

A festa era estranha e com gente esquisita. Tinha umas lampinha pendurada em tudo quanto era canto, num espaço aberto, menor que meio campo de futebol. As mina tudo sentada em pedaços de pano colorido em cima da grama, de frente para um “palco” que era demarcado só com linhas imaginárias. Ali elas declamavam poemas, dançavam, liam trechos de livro. Algumas eram bastante empolgadas, muito performáticas!

Eduarda ficou perto de onde serviam as bebidas, e quis experimentar um pouco de cada. Nem reparou em que momento começou a contar sua vida para estranhas, mas lá estava ela, falando do dia em que foi votar completamente alcoolizada (numa época, ressaltou, em que não era politizada, e aí não foi difícil anular o voto). “E era eleição de quê?”, Mônica quis saber. Eduarda, ao invés de responder à pergunta, apenas disse “eu não tô legal, não aguento mais birita”.  

Mônica riu. Achou Eduarda uma gracinha, querendo impressionar aquelas tiazinha que se aglomeravam em volta dela que nem formiga perto de açúcar. Eduarda, por sua vez, completamente alcoolizada, só conseguia pensar naquele momento que já eram quase duas da manhã. Sua mãe ia ficar uma fera por ela voltar tão tarde para casa.

As duas trocaram telefone e até algumas poucas mensagens – mas Eduarda esqueceu disso no dia seguinte. Acordou de ressaca lembrando que tinham marcado de se ver. Ela tinha sugerido uma lanchonete moderninha que tinha no centro, mas a Mônica queria ver um filme (“Imagem e Palavra”, de um cineasta chamado Jean-Luc Godard). Escolheram, então, um lugar neutro, meio-termo: o parque da cidade.

Mônica chegou de moto e estacionou no instante em que Eduarda prendia ali perto a tranca de sua bicicleta. Assim, à luz do dia, reparou que Mônica tinha o cabelo pintado de rosa, mas não comentou nada.

Sentaram-se perto da fonte, aquele era um dia azul, com sol, agradável. Nos primeiros minutos de conversa perceberam que eram muito díspares – em partes por conta da diferença de idade (dez anos). Mônica era escritora, tinha até pseudônimo; Eduarda era estudante de nutrição, estava às voltas com o seu TCC. A primeira já tinha se casado duas vezes; a segunda nunca tinha namorado. Mônica trabalhava como revisora de texto, gostava de explicar a diferença dos porquês, entre “santo” e “são”, falava de ABNT. Eduarda quase não entendia o que era dito, ficava só reparando em como a voz da mulher era bonita.

Ela falava muito, emendava os assuntos, uma coisa transcendental. Falava de magia, de reencarnação. Eduarda dizia que a estudante que habitava nela morreu em março, no começo da pandemia. Mesmo assim era dedicada, nunca tinha matado aula na vida. Mônica a achou muito bonitinha, toda nerd, e sugeriu que elas comemorassem o dia 5 do 10 de 20 (teria que matar aula para isso, cai numa segunda-feira). Eduarda a achou maluca!  

E mesmo com tudo diferente desde o primeiro instante, de repente, sentiram muito a vontade de se ver, e se falar – e se falavam de manhã até à noite, ora só enviando músicas do Spotify para ouvirem juntas. Mônica criou uma playlist, na ordem das músicas enviadas, e tinha a meta de comemorar, sexualmente, quando chegassem a 24h de música delas.

As duas fizeram natação juntas, Mônica tinha planos de levar Eduarda para mergulhar. E gostavam do contato com a natureza, então iam a parques, e bosques, e todos os lugares em que iam gravavam alguns segundos das paisagens, e montavam vídeos dos rolês depois. Assistiam juntas muitos filmes regados a pipocas – ficavam extasiadas quando a história era baseada em fatos reais. Mônica dizia que a história delas seria um filme, um dia.

Combinaram de viajar. A ideia era fazer um mochilão na América Latina e depois ir, em dois momentos distintos, para a Noruega, especificamente em Svalbard: primeiro para conferir o “sol da meia-noite”, no verão, depois a aurora boreal, no inverno. Eduarda nem sabia que isso existia, mas Mônica explicava para ela coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar.

Eduarda parou de beber, fez uma tatuagem nova e decidiu estudar coisas diferentes. E se formou na faculdade no mesmo mês que Mônica vendeu seu centésimo livro. As duas comemoraram juntas e, sempre parceiras, quase não discutem, ou se desentendem. E suas amigas dizem que uma complementa a outra, que nem feijão com arroz.

Cerca de dois anos atrás se mudaram para uma chácara, mais ou menos na mesma época em que arranjaram uma vaquinha, bem clássica, toda malhada de preto e branco chamada Mimosa. Foi um momento tumultuado, mas só na fase de adaptação. Desde o início estabeleceram algumas regras simples de convívio, como ir à cidade de vez em quando e, quando desse vontade, fazer “coisas de jovem”. Tipo ir a uma rave.  

Desde então estão as duas socadas dentro de casa, Eduarda é quem lava a louça sempre, mesmo quando é ela quem cozinha. Mônica está às voltas com o projeto de escrever sobre elas, desta vez, para valer.

Mas neste instante coloca o computador um pouco de lado, deixa o óculos sobre o teclado, e beija Eduarda com amor. Porque sem o amor nem mesmo essa história existiria.

Na tela, com o cursor do mouse piscando, se lê: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?”.


(Dedicado à Eduarda desta Mônica )


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