Declaração

Declaro para os devidos fins, e a quem mais possa interessar, que eu sou a invenção de alguém. Sim, a criação de uma mente humana; eu não existo. Minhas palavras estão impressas aqui, são lidas (e ouvidas), porque há uma mente criadora que alimenta a coisa toda em níveis que ninguém entende direito, então nem vamos nos ater a isso. São só detalhes que, neste caso único, específico, são irrelevantes, deixa para lá. O importante aqui é que eu não existo. De verdade. Assim, do jeito que a gente pensa.

Mas minha criação também não foi necessariamente algo pensado, previamente planejado. Porém, ainda que num nível inconsciente, a minha criadora foi agrupando os itens todos, a porra toda que queria, como quem mistura ingredientes aleatórios a uma receita que ainda não existe, nunca foi testada, e antes de levar ao forno ela lambeu o fundo da bacia. Assim, sem pudor. Enfiou ali dois dedos e o terceiro, o satúrnico, ficou com os anéis lambuzados.

Minha criadora nem sabia o que criava (nem que estava criando algo, ela fez isso tudo de maneira distraída, usando dois pares de meia, enquanto sonhava aqueles sonhos que se sonha e nem percebe, porque se está acordada). Empilhava tabelas nutricionais sem imaginar o resultado daquilo. Que daria certo, que seria sucesso. Ainda que sem glúten e sem lactose. Naquela manhã mesmo, quando acordou, depois de mais uma entre tantas noites insones, a fazendo crer e quase aceitar de uma vez por todas seu espírito notívago, ela nem sequer imaginava tudo o que estava prestes a acontecer, antes mesmo do café (que aqui ainda não era o preto): criatura xavecando criadora.

Quem faria isso, se não um ser inventado? Primeiro indício. Claríssimo. E depois dele vários outros, bem específicos, que envolvem, por exemplo, ABNT, programas de televisão com altas estatísticas de fraude e até exercícios musculares, em horários inesperados, e sincronizados. Já foi criada até uma empresa, com & e tudo mais. Isso tudo em um mês (completa hoje).

E essa declaração vem em momento propício, para que depois ninguém se diga pega desprevenida, de maneira desavisada. Boba aqui só a mão, que se coça enquanto escreve querendo o toque que já acontece em dimensões paralelas, em mundos imaginários, em galáxias fantásticas, em contatos que já são nossos.

Do jeito que você queria. E nem sabia.

Um beijo da sua criatura.

 

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