caribu
Uma vez tive uma vida dita
normal. Dessas, que a gente vê e fala: “taí, uma vida normal”. E era bem normal
mesmo. Eu era casada com uma pessoa que pensava o mesmo – em relação a isso, e
a tudo o mais. Ela dizia que nossa casa também era normal, “com um cachorro,
peixes e plantas”. Ela falava assim, desse jeitinho. Ela tinha uma voz bem de
menina!
Eu trabalhava de segunda a sexta,
sobrevivia entre um dia e outro, ora me espremendo num ônibus lotado, ora me
sentindo uma sardinha no metrô, ora decidindo ir andando porque na caminhada
chegaria primeiro, por causa do trânsito. E à noite só jantava, arrumava as coisas,
via tevê, ligava o despertador para o dia seguinte, torcia para não perder a
hora. Normal.
E aí aos finais de semana a gente
não fazia nada demais, não. Era bom ficar em casa, e era tão aconchegante que
eu jurava que aquele era o melhor lugar do mundo. Imagine só... eu morava em
uma parte bem cinza de São Paulo. Não tinha nem praça perto. Mas não precisava
(eu dizia). Eu tinha aquela vida normal, estável, garantida, até certo ponto.
Eu tinha aquela mulher incrível comigo, minha melhor amiga, minha duplinha, meu
parzinho. O que mais se pode querer? Bom, eu não queria mais nada!
Mas aí a vida quis mais de mim.
Achou, de certo, que eu não estava sendo produtiva daquela forma. Vai saber. Já
busquei a resposta para isso, mas parece que quanto mais procuro, mais perguntas
encontro. É difícil. E frustrante.
E falo tudo isso porque hoje nada
é mais normal, e eu não consigo gostar. Me esforço, eu juro! Me distraio, busco
coisas para fazer, trabalho e tal. Arranjo até um pseudônimo, para falar de coisas
novas, mudar o disco.
Mas sei lá. É o meu lugar-comum, mesmo a contragosto. Eu tento fugir, escapar, mas isso também
sou eu. Vou fugir de mim como? É foda. É pesado. E chato pra caralho.
Dia 14 de julho vai fazer cinco fucking
anos que ela morreu – e minha melhor parte foi junto. Minha parte normal. Meu
copo meio cheio. Me irrita que ainda machuque tanto, que eu ainda esteja com
tanta dor, e tanta raiva, depois de todo esse tempo. Me irrita que eu ainda
busque uma normalidade, uma estabilidade, quando sou, no fundo (e no raso!)
maremoto, sou tempestade, sou uma inconstância da natureza em forma de pessoa.
Sou caribu. E sou isso tudo também.
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